quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

EXCLUSÃO DE ESPÉCIES NA LISTA DE AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO- CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Com a entrada em vigor do Decreto Estadual nº 60.133/14, em 07 de fevereiro último, algumas espécies foram retiradas do rol das ameaçadas de extinção. Surge daí a indagação quanto às conseqüências jurídicas para os réus acusados por crimes envolvendo animais antes constantes como ameaçados e hoje não mais.

A Lei 9.605/98, na seção que trata de crimes contra a fauna, prevê no § 4º, do artigo 29, aumento de pena de metade, se o crime for praticado contra exemplar de espécie considerada ameaçada de extinção. Já para os crimes de pesca, o art. 34, I, da mesma lei, prevê a pena de detenção de um ano a três anos ou multa para a captura de espécies que devam ser preservadas.

A citada Lei de Crimes Ambientais não estabelece quais as espécies ameaçadas de extinção, ou mesmo que devam ser preservadas. Logo, configura-se como Lei Penal Incompleta, também conhecida como Norma Penal em Branco, que é aquela que necessita de complemento dado por outra norma. A norma penal em branco comporta duas espécies:

1º) Norma Penal em Branco Própria (Heterogênea): aquela cujo complemento não emana do legislador, mas de fonte normativa diversa.

2º) Norma Penal em Branco Imprópria (Homogênea): onde o complemento normativo será dado por uma Lei. Nota-se que no presente caso, estamos diante de uma Norma Penal em Branco Própria, ou heterogênea, pois o seu complemento encontra-se disposto no Decreto Estadual nº 60.133/14.

Avançando no raciocínio, temos o artigo 2º do Código Penal, o qual dispõe: “que ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.

Tal fenômeno é chamado de “abolitio criminis”. O parágrafo único do mesmo artigo, prevê que: “a lei que de qualquer modo favorecer o réu” (novatio legis in mellius ou lex mitior) possui o poder de retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência.

Diante desses argumentos, pode-se questionar: A alteração dos complementos da lei penal em branco (no caso o Decreto nº 60.133/14), se mais benéficos ao réu (pois retirou do rol dos ameaçados de extinção espécies que antes assim constavam), retroagirá para alcançar os fatos pretéritos?

A resposta vem por meio de quatro correntes:
1) Para Paulo José da Costa Júnior, a alteração do complemento da Norma Penal em Branco deve sempre retroagir, desde que mais benéfica para o réu;

2) Para Frederico Marques, a alteração da norma complementadora, mesmo que benéfica, será irretroativa (A Norma Principal não é revogada com a simples alteração de seus complementos);

3) Para Mirabete, só tem importância a variação da norma complementar na aplicação retroativa da Norma Penal em Branco, quando esta provoca uma real modificação da figura abstrata do Direito Penal;

4) Para Alberto Silva Franco e para o Supremo Tribunal Federal- STF, a alteração de um complemento da Norma Penal em Branco Heterogênea, mais benéfica, só ocorre quando a legislação complementar não se revestir de excepcionalidade.

Conclusão: Para a maior parte da doutrina e filiando-se especificamente à corrente adotada por Alberto Silva Franco e pelo STF, na hipótese de exclusão de espécies consideradas anteriormente ameaçadas de extinção, a norma retroagirá para beneficiar todos aqueles que se encontrarem respondendo a processos criminais por tal fato.

Desta feita, no caso de crimes contra a fauna, por exemplo, se o réu estiver sendo processado por capturar um “coleiro-do-brejo”, ou um “pica-pau-de-topete-vermelho” (que não mais constam como ameaçados de extinção), não mais será possível a aplicação da causa de aumento de pena prevista no § 4º do artigo 29 da Lei 9.605/98.

Já na hipótese de o réu ser um pescador, acusado pela captura de um “surubim-pintado”, ou um “pacú-caranha” (em época, petrechos e tamanho permitidos), tal conduta não mais poderá ser considerada como criminosa, devendo ser arquivado o Inquérito Policial, ou extinto o processo em curso.

Para os processos já transitados em julgado, aplica-se a Súmula nº 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”.

Grande abraço

JOSÉ ROBERTO SANCHES