quarta-feira, 26 de março de 2014

HABEAS CORPUS PARA ANIMAIS NÃO HUMANOS - ISSO É POSSÍVEL ?

O HABEAS CORPUS     
O Habeas Corpus, desde o século XIII consagrado como garantia contra a violação da liberdade humana, no século XXI ganha, aos poucos, espaço na liça da liberdade de animais não humanos, numa tentativa de revolucionar o tratamento e o entendimento que hoje o direito destina a tais seres.


PRIMEIRAS AÇÕES DE H.C. PARA ANIMAIS


     No mês de fevereiro de 2014, na Argentina, foi impetrado um Habeas Corpus em favor do urso polar Arturo, preso há 23 anos no Jardim Zoológico da provincia de Mendoza, requerendo a sua transferência para um Centro de Conservação Internacional, em Assiniboine Park Zoo, Winnipeg (Manitoba, Canadá).

     O pedido foi rejeitado pelo Tribunal de Garantias, sob a alegação de que aos animais falta personalidade e que o HC somente é cabível para seres humanos.

Também em fevereiro de 2014, já havia sido apresentado perante a Justiça de Corrientes, na Argentina, outro HC. Este a favor do chimpanzé Toti (que vive em cativeiro no Zoológico de Bubalcó), pedindo a transferência do símio para um Santuário em Sorocaba/SP, reforçando um pedido similar feito, na Justiça de Córdoba, em dezembro de 2013.

     O Juiz, que tinha negado inicialmente, desta feita, aceitou que o pleito avançasse para um Tribunal Colegiado, onde o debate deverá ser intenso.


O PEDIDO DE HC PARA TOMMY
     Caso similar, que promete ser também bastante rumoroso, teve início em dezembro de 2013, em New York – EUA. Foi impetrado habeas corpus em favor do Chimpanzé Tommy, há anos “preso ilegalmente” em um minúsculo cubículo, nas redondezas de Gloversville.

     O que chama à atenção neste caso é que a ONG autora da ação, Nonhumam Rights Project, utilizou como argumento, o fato de que Tommy reúne os requisitos para ser classificado como uma “pessoa legal” e, como tal, teria direito à liberdade.

     Em resumo, o pedido da ONG é que o chimpanzé deixe de ser considerados como coisa. “Um ser como Tommy, que possui autonomia, auto-determinação, auto-consciência e capacidade de escolher como quer viver, deve ser reconhecido pela lei comum como ‘pessoa’, com o direito legal à liberdade física”. A questão, “não é se Tommy é ou não um ser humano – e não é – mas se, tal como um ser humano, é uma ‘pessoa legal’ perante a lei”.

    Os advogados juntaram à petição declarações de primatologistas, atestando que os chimpanzés possuem capacidades cognitivas complexas, como autonomia – a mais importante para determinar a condição de pessoa – e autodeterminação, consciência de si próprio, conhecimento do passado, percepção do futuro e capacidade de fazer escolhas, além de ter emoções complexas, como empatia, alegria e sofrimento.

     Podem solucionar operações simples da matemática melhor que alguns cidadãos classificados como “homo sapiens”.
No pedido, Steven Wise, fundador Nonhumam Rights Project, traça um paralelo entre a situação de certos animais – como os grandes primatas – e a dos escravos no passado, uma vez que estes, não há muito tempo, também eram considerados coisas.

    A iniciativa de ingressar com HC em favor de Tommy, inspira-se num caso de 1772, na Inglaterra, quando um juiz aceitou pedido de habeas corpus para um escravo foragido, que estava preso, acorrentado e pronto a ser enviado para a Jamaica para ser revendido.

     O juiz, Lord Mansfield, concordou com o argumento de que o escravo James Somerset não era uma “coisa” mas sim uma pessoa, e libertou-o – muitas décadas antes da abolição da escravatura na Inglaterra e nos Estados Unidos.

     Apesar de anunciado como o primeiro caso do gênero, há antecedentes semelhantes em outros lugares do mundo. Em 2007, uma organização de defesa dos animais também requereu a um tribunal na Áustria que declarasse um chimpanzé como “pessoa”, de modo a que pudesse ter legalmente um tutor e não fosse vendido por um centro de acolhimento que abrira falência.


HC PARA ANIMAIS NÃO HUMANOS NO BRASIL


    Também no Brasil há registros de impetração de Habeas Corpus em favor de animais.


    O primeiro caso, ocorreu na Bahia em 2005, onde, com a ajuda de biólogos e advogados, o Ministério Público entrou com pedido de habeas corpus para libertar a chimpanzé “Suíça”, que estava "presa" há 10 anos no Jardim Zoobotânico de Salvador e ficou muito doente após a morte de seu companheiro.

    A remoção do animal para uma reserva particular, seria a única alternativa para salvá-lo.

    Apesar de concedida, a sentença favorável à “Suiça” nunca foi executada, pois foi obtida um dia depois que ela foi achada morta em sua jaula. Mesmo assim, cravou-se o marco de ter sido o primeiro animal no mundo reconhecido como sujeito jurídico de uma ação de HC.


    Outro caso brasileiro, foi o habeas corpus que teve ingresso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro- TJ/RJ, em novembro de 2010, para propiciar a soltura do chimpanzé “Jimmy", enjaulado no zôo de Niterói.

     Por unanimidade, a 2ª Câmara Criminal, sem resolução do mérito, não reconheceu o pedido, alegando que o remédio constitucional somente é cabível para seres humanos e não para animais.

     Durante o julgamento, um dos desembargadores contou que pesquisou muito sobre o assunto e que, apesar de estudos concluírem que o chimpanzé é o parente mais próximo do ser humano, com 99,4% do DNA idênticos, não pode ser considerado como pessoa, ou seja, um sujeito de direito.


     No Superior Tribunal de Justiça –STJ, também foi impetrado HC em favor de Chimpanzés. O caso teve início quando o dono de um zoológico particular em Fortaleza (CE), resolveu doar dois bebês Chimpanzés, Lili e Megh, para um empresário paulista.

     O caso foi parar na Corte Superior quando o empresário paulista recorreu contra a decisão do TRF da 3ª Região, que determinou que os animais fossem retirados do cativeiro e introduzidos na natureza.

     Ele alegou que as chimpanzés teriam direitos equivalentes aos dos seres humanos, pois não sobreviveriam caso retirados do cativeiro. Seriam absolutamente humanizadas, dormindo em camas, escovando os dentes e brincando em balanços. Assim, requereu que continuassem sob a sua guarda e responsabilidade.

     A Corte chegou a dar início ao julgamento. O ministro Castro Meira disse ser incabível HC em favor de animais. Logo depois, o ministro Herman Benjamin pediu vista e o julgamento foi suspenso.

     O STJ não julgou mais o referido HC, pois deferiu pedido de desistência dos impetrantes, vez que foi regularizada a situação dos animais.


     Dos casos narrados, vê-se que no Brasil e no mundo, o Habeas Corpus, sagrado infenso da privação injusta da liberdade de locomoção, vem sendo reiteradamente utilizado em favor dos direitos dos animais não humanos.


     No Brasil, e na maioria dos países, o direito ambiental é tido como antropocêntrico, ou seja tem o ser humano como ponto central. “Na verdade, o direito ambiental possui uma necessária visão antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a este a preservação das espécies, incluindo a sua própria. Do contrário, qual será o grau de valoração, senão for a humana, que determina, v.g, que animais podem ser caçados, em que época pode fazê-lo, onde etc.?” (FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2013. São Paulo: Saraiva. p. 54).


     Nessa ótica, todos os direitos e garantias previstos constitucionalmente teriam como sujeitos, apenas e tão somente, os seres humanos, incluído aqui a garantia insculpida no Habeas Corpus.


QUEM É TITULAR DE DIREITOS NO BRASIL?

      Prova disso é que a Constituição Federal estabelece que são titulares de tais direitos os brasileiros e estrangeiros residentes no país ou seja, somente as pessoas (art. 5º, caput da CF).


     Emerge daí a importância dos precedentes que podem ser inaugurados nas ações de Habeas Corpus impetrados no Tribunal Argentino e Norte Americano, acima citadas, donde poderá ser aberta uma nova frente, potencialmente revolucionária, no reconhecimento dos direitos dos animais e na tentativa de quebrar velhos paradigmas, a inserir tais direitos no mundo jurídico.


     O direito à vida, ou mesmo à liberdade, em seus policrômicos aspectos, não podem ser considerados apenas como uma prerrogativa do ser humano, pois, ainda que a doutrina majoritária atribua aos animais não humanos o status de objeto de direito, tal visão não é inexorável.

      Mudanças de paradigmas já estão sendo apregoados para sustentar a efetivação jurídica dos animais, não somente como parte dos recursos ambientais, mas como seres vivos dotados de direitos que lhes são específicos.

     Para tanto, é necessário reconstruir as estruturas do ordenamento atual e promover uma reengenharia jurídica, no autocentrado sistema antropocêntrico, quebrando vezos e contemplando os animais não humanos como também sujeitos de direitos e garantias. Talvez o habeas o corpus seja esse começo.

Grande abraço.

JOSÉ ROBERTO SANCHES

Se você gostou do texto, click em G+ e compartilhe nas redes sociais.
Leia também outros artigos AQUI.




: